A Valquíria Zero - Capítulo VIII: Honestidade


Após um longo período de seca, trago a vocês o primeiro capítulo de Valquíria Zero do ano!! É provável que a partir desse ano comece a ter postagens um pouco mais constantes, estamos estudando as alternativas.

Por fim, boa leitura a todos!

Para ler os capítulos anteriores, acesse a página principal da obra!



Capítulo VIII

O crocitar de corvos incitava o instinto assassino do mundo dos mortos. Aquele era o hino das almas atormentadas, a batida que complementava a música na qual a morte dançava, a mesma que Zero já estava acostumada a participar. Uma dança doentia que acariciava a alma, sugando a vida aos poucos, deixando o mundo incolor. Um mundo de caos.

Zero, agachada na beira do Meer des Todes, o mar de sangue, alisava a superfície. Observava as pequenas ondulações que se formavam devido ao movimento e lembrava das palavras das Nornas. Profetizaram sua morte, o seu trágico destino. Socou a superfície do mar.

– Eu faço meu próprio destino, não elas...

Uma sensação ruim. Foi o que bastou sentir para que tomasse ciência de que alguém a espiava. Levantou-se num pulo, segurando Dainsleif em posição para atacar.

Entretanto, se surpreendeu ao perceber que era apenas um homem encarando-a de forma maliciosa. Logo lembrou que vestia apenas uma minúscula camiseta de linho e um shorts ridiculamente curto. Por um segundo corou, algo bastante peculiar.

– Não precisa ficar com vergonha, moça. Já vi mulheres se vestirem de forma mais vulgar.
O sujeito cambaleava enquanto tentava conversar com Zero. Estava obviamente bêbado.

– Ah é mesmo? Bom para você. – comentou, sem desgrudar os olhos do homem. Seu olhar alternava entre os olhos e a espada que ele carregava.

– Não fique olhando muito pra... é... – olhou para a espada. – pra essa coisa aqui.

– Quem é você? – Zero segurava com determinação Dainsleif. Sentia que algo de errado estava acontecendo ali, mas infelizmente não sabia dizer o quê. – Você não é uma alma perdida.

– Eu sei lá... meu nome é... – olhou para o próprio peito desnudo. – Saban? Shaman?

– Revele-se imediatamente, ou minha espada não terá pena de você.

– Ih... alguém aqui tá nervosinha. Olha aqui moça. – começou a cambalear em direção à valquíria. Tropeçou. Caiu de boca no chão repleto de ossos. – Ai...

– Deprimente. Nenhuma alma merece viver tamanha desgraça. Farei um favor para você e acabarei com seu sofrimento.

– E quem é que tá sofrendo aqui...? Foi só uma quedinha... – pausou. Levantou a cabeça, apenas para encontrar os seios da valquíria loira. – Alguém já te falou que você tem belos seios?
Imediatamente após tal constatação, Zero chutou o queixo do homem, que rolou alguns metros até ser parado por um tronco podre. Vermes saíam dos orifícios do tronco. A espada que ele carregava foi arremessada junto a ele, caindo ao seu lado.

– Nossa... que agressiva.

– E você fala bem demais para um bêbado. – Zero comentou, balançou sua espada e cravou-a no chão.

– Touché. – se levantou e limpou sua calça. Recolheu a espada jogada no chão. – Sou um bêbado requintado, sabe.

– Vou falar mais uma vez. – estreitou os olhos. – Quem é você?

O homem fez uma reverência, olhando nos olhos da valquíria.

– Sou Shannis Yangar, o espadachim fantasma. Creio que a senhorita seja a valquíria que meu grande amigo Tqir comentara em sua carta. – olhava a valquíria de cima a baixo – Sabe, pensei que você fosse mais assustadora, embora aquele chute tenha doído pra valer... – comentou enquanto acariciava o queixo. – Além disso, Tqir esqueceu de dizer que você é uma mulher e tanto. Adoraria brincar um pouco com você.

O espadachim sorria maliciosamente para a valquíria enquanto passava a mão na lâmina da própria espada. Um costume que o distraía dos seus arredores, fazendo-o se concentrar apenas em quem desejasse.

– Shannis Yangar? Gostaria de lhe dizer que o conheço, mas não faço a mínima ideia de quem você seja. – respondeu em tom de deboche. Apoiou as duas mãos no pomo da espada cravada no chão.

– Au! Isso me machucou, valquíria. – acariciou o peito próximo a região do coração. – Se você for tão boa com a espada como é com as palavras...

– Quer ir direto ao ponto?

Zero tateava o pomo da sua espada amaldiçoada, claramente irritada com a situação. Sabia o que Shannis Yangar queria. Viera para assassiná-la, provavelmente por ordens de Hel. Acreditava, porém, que ele deveria estar acompanhado.

– Não, não quero. – guardou a espada na cintura. – Sabe, estou afim de bater um papo descontraído com uma valquíria assassina em meio a um monte de ossos e ao lado de uma poça de sangue gigante que chamam de mar.

– Odeio ter que acabar com sua festinha, mas não tenho tempo e muito menos vontade de conversar com você. – respondeu, fitando o espadachim, suas mãos ainda tateavam o pomo.

Shannis Yangar entretanto, ignorou a valquíria. Sentou em uma pedra coberta de galhos e ossos velhos. Apoiou os cotovelos nas pernas, abaixou a cabeça, encarou o chão, e começou a falar.

– Pare com isso. Sei que você tem bastante tempo. Além do mais, está vendo aqueles dragões ali? – apontou a direção com a cabeça. – Se você entrar no raio de ação deles, provavelmente vai ser transformada em pó. Monstros desse tipo nunca são mortos, mas podem ser incapacitados por pequenos períodos.

O homem que há pouco parecia estar embriagado já não esboçava qualquer sinal de tal mal. Mergulhava profundamente em palavras com facilidade, demonstrando um conhecimento que Zero não imaginou que tivesse.

– Você deve estar se perguntando o que isso tem a ver com a situação atual. É bem simples na verdade. Assim como aqueles dragões, você é um monstro que nunca é morto, mas pode ser incapacitado. Porém, diferente deles, somos capazes de incapacitar você pelo tempo que for.

– Me poupe do seu discurso de profissional incapacitante. – agarrou o pomo de Dainsleif, preparando-se para sacá-la caso necessário. – Me diga o seu real motivo. A verdadeira razão de estar aqui, confrontando o terrível monstro impossível de matar que você mesmo cita.

Com delicadeza, Shannis quebrava de forma sistemática os pequenos galhos que saíam do monte de ossos. Ouvia com atenção a valquíria do infinito, embora não parecesse. Não respondeu-a.

– Permanecerá em silêncio então? Para alguém que parecia ser tão engraçadinho – retirou a espada cravada no chão –, me admira não querer espalhar para os nove mundos o seu motivo de estar aqui.

– Já no meu caso, surpreende-me a sua curiosidade. Pensei que isso fosse um traço mais comum em nós, humildes humanos. – cuspiu – A triste ilusão.

Os corvos continuavam a crocitar. O barulho já estava se tornando um incomodo para Zero, que já havia cogitado a possibilidade de atear fogo nos malditos seres alados. Voltou a se concentrar em Shannis.

– Sinto lhe desapontar. – tocava levemente em Dainsleif. Parecia que a sacaria a qualquer momento.

– Não, tudo bem. – levantou-se ao perceber as intenções de Zero. – Agora veja bem, senhorita. Não estou aqui para lutar.

– Ah, que indelicadeza da minha parte! – ironizou – Para que você veio, ó jovem cavaleiro?

– Pode-se dizer – começou, sem se deixar irritar pelo deboche da valquíria. – que vim fazer uma pequena avaliação. E como posso dizer... tenho grandes expectativas. Posso estar errado, mas duvido muito. Apenas o fato de uma valquíria, súdita fiel de Odin, estar aqui sozinha, já é mais do que impressionante. É inédito.

Sem tirar os olhos do espadachim, Zero passou a vestir sua armadura. Não comentava, não interrompia, apenas ouvia atentamente cada palavra proferida.

– Se me permite, gostaria que você saciasse a minha tão grande curiosidade que provém da minha natureza humana.

– Eu... – hesitou por um instante. – Tudo bem, pergunte.

– Você realmente acha que conseguirá completar essa tarefa? Digo, a de derrotar Hel e impedir seja lá o que ela quer fazer?

– Como você...?

– Sei da sua missão? Meu grande amigo Tqir me explicou na carta. Lembra, a carta que mencionei antes?

– Ainda não vejo como ele tenha conhecimento da minha tarefa. A não ser que...

– Exatamente. A não ser que Hel tenha dito pessoalmente. Intrigante, não é? A rainha dos mortos, que não interage nem mesmo com seu pai, falaria abertamente com um pequeno cavaleiro de terras distantes. Antes que faça, não me pergunte o porquê de tê-lo chamado.

– Então, por que Tqir o chamou?

– Ei, ei. – Shannis interrompeu a valquíria. – Responda-me primeiro.

– Minha tarefa será bem-sucedida. Não importa o que apareça no meu caminho. É isso que queria ouvir?

– Não. Eu gostaria de ouvir uma resposta honesta. Bom, não posso exigir tal resposta de alguém que não é honesto consigo mesmo. – deu de ombros. – Temo que minha avaliação tenha chegado ao fim. Agradeço por ter reservado um pouquinho do seu precioso tempo para mim, um nobre gesto, de fato. – fez mais uma reverência, sem desgrudar o olhar dos olhos verdes de Zero.
Shannis Yangar preparava-se para partir, quando ouviu o chamado da jovem loira que acabara de reverenciar.

– Ainda não respondeu a minha pergunta, espadachim fantasma.

– Você acabou de respondê-la, minha cara. – respondeu sem olhar para trás.

Antes mesmo que Zero pudesse perguntar o real significado de tal resposta, foi surpreendida quando o espadachim atravessou o tronco de árvore maciço, aparecendo do outro lado.

Os corvos que não pararam de crocitar nem por um instante durante a conversa voaram para longe, fazendo ainda mais barulho. O mar de sangue agitou-se repentinamente, mas parou em seguida. E Zero, surpresa, apenas encarava o vulto sumindo por entre a densa floresta sem vida.

– Shannis Yangar, de fato um espadachim fantasma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário