Chiharu - Capítulo 13



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Chiharu


Capítulo 13


. . .


Ah, o fim das férias.

Aquela velha sensação nostálgica e depressiva de volta às aulas.

Só que, dessa vez, eu meio que estou excitado para isso.

Por quê? Bom, agora, tudo está diferente. Por todas as escolas que eu passei enquanto eu era menor, eu não consegui fazer amigos. Mesmo quando eu os fazia, frequentemente recusar brincar ou ir até a casa deles provavelmente acabou fazendo eles desgostarem de mim. Como resultado, normalmente eu ficava sozinho na escola. Agora, eu tenho todos.

Não que não nos tenhamos visto durante as férias de inverno. Na verdade, até passamos o ano novo juntos. Fomos observar as estrelas e fizemos um piquenique numa montanha à cerca de uma hora daqui. No entanto...

Na escola, estamos todos juntos com muito mais frequência. Além disso, podemos treinar com a banda e todos os acessórios que a sala de música nos proporciona.

E também...

— Aaaaaah! O sol! Como eu amo o sol!

Eu abri a janela do quarto de Shizuka e me deliciei com os raios quentes que tocaram meu rosto. A sensação favorável de calor ao invés do frio, depois desses meses é... Inexplicável. Me faz acreditar na vida e em tudo que ela proporciona de novo.

A luz fez com que os olhos de Shizuka tremessem, para, então, abrir. Ela olhou para mim e deu aquele lindo sorriso de bom dia meio sonolento, de sempre. Eu alisei seus longos cabelos brancos e dei um beijo em sua testa. Depois de me esticar, eu a descobri e a carreguei em meus braços.

— Opa...!

Eu a levantei e a levei até o banheiro. Como sempre, dei banho nela com todo o cuidado para que a água não atingisse sua boca e nariz, escovei seus dentes, penteei seu cabelo e coloquei nela uma roupa bonita. O café da manhã já havia sido preparado mesmo antes de eu acorda-la, então pude fazê-la comer com bastante calma. Hoje ela particularmente estava com sono.

Isso por que ontem foi a festa de despedida das férias de inverno.


. . .


— Beeleeza! Vamos beber até cairmos!

Kai levantou uma garrafa de líquido preto para o alto e gritou bem alto, ficando com um sorriso bobo no rosto.

— Ei! Não grite tão alto essa hora da noite! E não fale como se refrigerante pudesse te deixar bêbado!

— Os jovens de hoje são preocupados demais! Relaxa aí, Makoto!

— Você que é muito despreocupado...

Já estava completamente escuro lá fora quanto a festa começou. Kaioshi, Akakyo, Yuragi, Hanabi, Eu, Nana e Shizuka. Essas seis pessoas estavam lá em casa par a festa. Embora Nana não seja do nosso colégio, desde que participamos daquele pequeno incidente com os Nekogami, ela e Yuragi acabaram ficando bem amigas.

Parando para pensar, foi perto da época que Akakyo sugeriu que eles 'continuassem a fingir o namoro' mesmo depois de tudo.

Eu quis esgana-lo, mas a rejeição instantânea de Nanami não me deu tempo para isso.

Em face da desolação de Akakyo, a reação de Yuragi poderia ser apenas uma: Ela se tornou a melhor amiga da garota que rejeitou seu irmão.

Como são lindos os laços de uma família.

Aparentemente a relação dos irmãos com seus pais só tem melhorado desde nossa viagem para o litoral. Eles agora estão ajudando Tanaka-san com as dívidas, da mesma forma que meus tios me ajudam. Apesar disso, pelo que me lembro, Akakyo conseguiu um trabalho de meio período.

— Ei, Akakyo, como vai no seu trabalho?

— Ah, bom, não tenho do que reclamar. Os horários deles são bem flexíveis, embora alguns dias o trabalho seja um pouco pesado. Claro que ficar em casa seria melhor, mas...

— É o que você ganha decidindo com sua irmã no jo-ken-po.

Os dois deveriam decidir quem iria trabalhar e quem ajudaria com as tarefas domésticas. Odeio ter que admitir, mas Yuragi é uma mestra dos jogos. Desde o olhar até as mecânicas do jogo, ela examina tudo cuidadosamente. Decidir algo assim num jogo é pedir para ser derrotado.

Além disso, se tratando dessa pessoa, se você perder vai acabar tendo que fazer as duas tarefas de qualquer jeito.

— Perdedores não tem o direito de chorar. Agora seja um bom menino e pegue um daqueles pãezinhos pra mim.

— Ah, claro... Espere aí, por que eu tenho que fazer isso!?

— Você ouviu ela; perdedores não tem o direito de chorar~!

Osakura cambaleou e se apoiou no meu ombro. A voz dele oscilou e saiu mansa, de forma a indicar que ele estava extremamente bêbado.

Como eu falei, você não pode ficar bêbado com uma garrafa de refrigerante, seu idiota.

— Ah, é? Então por que você não tenta apostar algo, então?

Akakyo lançou o desafio para Kaioshi. O olhar dos dois ficou afiado. Tão afiado que, se você olhar direito, consegue ver as faíscas se encontrando no meio do ar.

— Tudo bem então... Ei, monstro! É hoje que seu reino de terror cairá!

Uma reação exagerada e um dedo apontado para a cara de Yuragi foram o bastante para fazê-la sorrir. Ela posicionou o punho fechado ao lado da cabeça, pronta para lançar sua jogada.

— Humpf! Como se a escória pudesse destronar a rainha das trevas!

Então ela admite que é do mal...

— Ho! Um desafio!

Hanabi se aproximou, com uma expressão agitada e excitada, como se fosse uma criancinha prestes a ganhar um presente. Ela segurava um fantoche em cada mão, e, atrás dela, haviam duas outras garotas. Nana e Shizuka. Aparentemente elas estavam inventando um teatro de fantoches próprio ali atrás, visto que Nana também tinha um fantoche de um gatinho na sua mão direita. Nesse momento, os olhos verdes da loira e azuis da alva se concentravam também na batalha que se dava no meio da minha sala de estar.

Mas espera aí, pelo que eu ouvi, se eu ganhei da Yuragi num jogo, isso faria de mim da nobreza?

Um gole da bebida na minha mão foi o bastante para me fazer esquecer esses pensamentos idiotas e me concentrar no que realmente era importante.

— Jo...

— Ken...

Os dois disseram alternadamente as duas primeiras palavras, fazendo uma pausa dramática, para só então dizerem a última.

— Po!!

— ...

— ...

— Não pode seeeeeer!

Kai levantou a palma aberta indignado para o alto. Nas mãos de Yuragi, haviam dois dedos levantados. Uma tesoura. Como o esperado, a vitória foi bem simples.

— Ei, você trapaceou! Não tem como meu papel mortal perder para sua tesoura!

Que mal perdedor...

— O que seu papel pode fazer? Me embrulhar? Ah, que medo.

— Do que você está falando? Por acaso nunca se cortou com papel?

— Que tipo de idiota se cortaria com papel?

Então... Devo me sentir ofendido?

— Se você não acredita, então eu...

Kai se abaixou, pronto para pular no seu alvo.

— Vou te mostrar a...!

Ele pulou sobre ela, a mão aberta erguida de lado sobre sua cabeça, como num golpe de alguma arte marcial cinematográfica.

— Fúria do Papel!

Ele gritou o último nome como se fosse algum poder especial e partiu para acertar a lateral de sua mão na cabeça de Yuragi.

Uma esquiva perfeita. A ruiva deu um passo para o lado e virou a cabeça, fazendo a mão do seu oponente passar em branco no ar. Ele arregalou os olhos, sem acreditar que aquilo pudesse estar acontecendo. Num movimento que nem eu mesmo vi, a garota usou os dedos indicador e médio que havia levantado para aplicar seu próprio poder especial.

Um segundo. Foi o tempo que levou para o cérebro de Kaioshi processar que seus dois olhos haviam sido espetados por dois dedos. Assim que a mente lenta do garoto trabalhou, ele berrou para os céus  ou melhor, para o teto  e andou para trás, com as mãos nos olhos. Shizuka e Nana ficaram sem graça, enquanto Hanabi simulava um replay da luta com os dois fantoches na sua mão.

Normalmente eu riria junto com Akakyo, mas não consegui tirar da cabeça o fato de que ele estava gritando àquela hora da noite de novo.

— Ei, ei, vamos com calma...

Uoooh, maldita! Você vai ver agora! Jo-ken... Po!!

Embora ele dissesse isso, a mão dele já estava formada em uma tesoura que partiu em direção aos olhos de Yuragi. Outro movimento rápido. Dessa vez, um passo para frente, que fez com que ela entrasse na guarda do alvo. Na sua mão, um punho estava formado. No seu rosto, uma expressão impaciente e impiedosa.

Nocaute.

Osakura tombou para trás com um galo na testa e lágrimas nos olhos. Yuragi acariciou a própria mão, dolorida do impacto do soco. A luta simulada dos dois fantoches terminou num resultado parecido, fazendo com que Hanabi levantasse os dois fantoches para o alto e então se jogasse de costas no chão.

— Pedra ganha de tesoura, seu lixo.

Ela se virou, fazendo uma cara de nojo no processo. Nana juntou a mão livre e a mão com o fantoche num gesto de apaziguamento.

— Yuragi-san, você não devia bater nele assim...

— Está tudo bem, Nana-chan. Esse cara está acostumado com todo o tipo de agressão.

— Exatamente...

Ele se recompôs milagrosamente, assumindo uma postura convencida. Ele levou a mão até a testa e jogou seus cabelos para o alto, agindo como um garoto mimado.

— Esse corpo forte e másculo pode aguentar qualquer golpe. Uma verdadeira criação dos deuses! O que você acha? Não quer ver?

Nana ficou olhando fixamente para ele, enquanto mantinha um sorriso. Qualquer um que o visse poderia dizer o quanto ele estava forçado, mas Kai interpretou aquilo como um bom sinal.

— Com esses músculos poderosos, eu certamente te protege-

Ele interrompeu a fala para olhar para baixo, onde um joelho feminino encontrava suas partes especiais. Dessa vez o cérebro dele foi ainda mais lento, demorando pelo menos três segundos para força-lo a soltar um urro de dor.

— EI, CALEM A BOCA!

Um vizinho raivoso jogou o que parecia ser uma concha de sopa na janela, fazendo um barulho alto. Todos se assustaram, diminuindo os tons de vozes. Todos exceto aquele que realmente estava fazendo barulho, o garoto de cabelos brancos rolando no chão.

Mas mesmo assim...

Nana me surpreendeu. Eu não esperava que ela fosse saber se defender assim. Apesar de ela parecer arrependida, aquele chute certamente foi potente.

Tenho que tomar cuidado...

Talvez você esteja se perguntando como foi o festival da escola. Bom, não houve festival. Ele foi cancelado, mesmo depois de ter sido cancelado e remarcado. Aparentemente a escola não liberou os fundos nem o estabelecimento, então não houve nada que pudemos fazer. Nana queria muito ir com as amigas para assistir nosso show, me senti mal em decepciona-la.

Falando em Nanami, desde aquele mesmo incidente de alguns meses atrás, temos ficado mais próximos. Eu também me aproximei mais da família dela, já que eles cuidaram tão bem da minha irmã. Demorou um pouco para que eu conseguisse sentir que estava agradecendo direito, mesmo já dizendo aquilo várias vezes.

No tempo em que ficou lá, parece que Shizuka e Airi acabaram ficando bastante amigas. O pai de Nana voltou de viagem também, acabamos passando o natal juntos.

Mas agora...


. . .


— As aulas vão começar de novo.

Eu já estava pronto. Se eu sair agora, nem mesmo vou precisar correr para chegar na hora. Olha só, Makoto, estou orgulhoso de você.

— Eu estou indo, Onee-chan.

Shizuka sorriu e eu acenei para ela. Mesmo que daqui a dois períodos eu venha aqui de novo vê-la, sinto que me despedir assim é apropriado para uma família.

Eu abri a porta, sentindo o sol no rosto mais uma vez.

Vamos lá!


. . .


Chaaato...

Não senti nem um pouco de falta dessas lições. Os professores nem se esforçaram para torna-las mais agradáveis para a volta as aulas, então elas continuaram chatas como sempre. Eu anotei tudo tediosamente, embora estivesse realmente prestando atenção. Fiz uma promessa com a garota loira de que esse semestre minhas médias seriam impecáveis. Menos que isso e eu vou estar perdido, de qualquer forma.

Ao longo do dia, continuei visitando Shizuka e atendendo tudo que ela precisava. Mesmo assim, eu não vou deixar que isso me prejudique. Para isso, eu vou precisar fazer algo que não acho que vou gostar muito...

Eu olhei pela janela enquanto as pessoas da minha classe conversavam. Meu novo lugar é no fundo e no canto da sala, como se eu fosse um personagem principal de uma Light Novel ou algo do tipo.

Eu não quero, mas... O novo Makoto é alguém cheio de determinação e boa vontade. Por isso, não vou dar para trás. Eu respirei fundo e me virei para uma garota que eu conhecia de vista.

— Ei, com licença.

Era uma garota de cabelos negros, que estava conversando com uma outra. Ela olhou para mim, curiosa. Seu olhar logo mudou. 'Ah, é o garoto das notas baixas'. Eu não me importei muito e continuei com um sorriso no rosto.

— Você é a Takahashi-san, não é? Eu sou Alkaev. Eu tive que sair no meio da lição, eu posso ver o seu caderno?

A jogada com o meu nome russo foi tentar mudar a expressão dela para 'ah, é o garoto estrangeiro'. Todos sabem que eu sou daqui, então de fato não esperei muito dessa tática.

A garota ficou incerta e tentou olhar para os lados, buscando refúgio. A amiga tocou o ombro dela e olhou para mim.

— Ah, é que... Nós temos algo para fazer, não é, Takahashi? Vamos!

— S-Sim! Desculpe.

As duas garotas se levantaram e levaram as coisas. Desmotivador. Mas se eu quiser continuar com minhas obrigações não posso deixar isso me abalar. Tenho que ter essas anotações. Eu apertei os punhos para juntar a coragem dentro de mim e então fui até a frente da sala.

— Então... Com licença!

Apenas conversas paralelas. Minha fala não chamou a atenção de ninguém. Malditos... Se é assim que vai ser, então...

— Eu disse... COM LICENÇA!

Todos pareciam ter me ouvido dessa vez.

— Muito obrigado.

Minha garganta doeu um pouco então eu a limpei enquanto disfarçava com a mão na frente da boca. Depois disso, abri os olhos e coloquei um sorriso descontraído no rosto.

— Yo! Como vocês sabem, eu me chamo Alkaev Makoto. Acontece que eu tenho alguns problemas de família que geralmente preciso resolver, então é por isso que saio no meio das aulas. Graças a isso, eu não tenho conseguido acompanhar as matérias direito... Por isso, eu queria pedir pelo menos para que alguém possa me emprestar o que anotou! Se eu conseguir isso, acho que não terei problema em estudar por minha conta.

Todos pareciam incertos. Nessa escola politicamente correta, os alunos não gostavam de mim. Para eles, eu era um cara que matava aula e tirava notas deploráveis. Houveram até boatos de que foi um milagre o presidente do conselho estudantil dar o clube de música para mim e outros difamadores do nome da nossa 'querida escola'.

Acontece que ele simplesmente é mais compreensível que vocês.

Mas ainda assim, sem nenhum peso na consciência, aqui estou eu. Tentando dar à vocês uma nova chance. E salvar minha própria pele no processo.

— Ei...

Uma garota olhou na minha direção. Eu a reconheci por ser a presidente da classe.

— Arukaebu. Se você realmente for usar as anotações, eu posso te ajudar. Afinal, é minha responsabilidade como presidente da turma.

Aquele forte sotaque japonês no meu sobrenome sempre me fazia rir, mas não é como se eu estivesse livre dele. Era uma das poucas palavras que eu sabia pronunciar perfeitamente.

Motivo ainda maior para meu riso foi ter achado uma salvadora. Eu sorri agradecido.

— Muito obrigado. Conto com você.

O evento foi interrompido pelo som da porta abrindo e o professor entrando. A voz forte dele fez com que ninguém o questionasse durante todo o ano, e duvido que fosse mudar agora.

— Sentem-se todos, agora.

Num piscar de olhos, todos obedecemos.

Eu olhei para meus colegas sentados de má vontade em suas carteiras.

Esse semestre certamente vai ser diferente.


. . .


— Então, o que vamos fazer?

— Sobre o que?

— Sobre o clube de música, é claro. Mesmo que quiséssemos fazer uma apresentação a parte, não acho que faríamos sucesso sem um vocalista.

Os dois irmãos caminhando à nossa frente conversaram entre si, mas acabaram olhando para nós três lá atrás na busca por respostas. Akakyo caminhava como sempre, desleixado com as mãos nos bolsos. Ele acabou fazendo Kai carregar as coisas dele, mas o garoto não pareceu se incomodar.

Parando para pensar, é verdade. Se o festival escolar tivesse sido naquele outono, talvez não tivéssemos tido tanto sucesso. Agora estamos no fim do inverno. A combinação de hoje, sol quente e ventos frios deixava o clima mais agradável do que nas últimas semanas. E pensar que em poucos meses vamos estar concluindo mais um ano letivo... Se não quisermos que ele passe em branco, teremos que fazer algo mesmo que seja por nós mesmos.

Mas primeiro, temos que resolver o problema do vocalista.

— Eu não acho que vai ter ninguém que queira entrar em um clube logo no último trimestre...

— Não seja tão depressivo, lixo! Quando eles ouvirem nossa música não vão deixar de querer participar também!

E também...

— O vocalista é o membro ícone de uma banda... Tenho certeza que vão haver várias pessoas querendo esse tipo de atenção, independente da época do ano.

— Então, amanhã você vai estar livre, não é? Vamos preparar uma audição!

A ruiva olhou para mim com punhos fechados que mostravam seu entusiasmo. Eu sorri e concordei com a cabeça. Em seguida, ela apontou para a morena que andava ao meu lado e gritou mais ordens.

— Hanabi! Você vai conseguir candidatos! Faça um alvoroço por toda a escola! Consiga o máximo de pessoas possíveis!

— Sim senhora!

A morena se estivou toda e prestou continência para sua comandante.

Ei, espera aí... Já não temos uma imagem muito boa na escola, e você ainda...

— Você também, Akakyo, consiga algumas garotas!

— Eu!?

— Você mesmo! Você na verdade é popular com as garotas, não é?

 Oh, isso é sério!?

— Ah, bom...

O ruivo desviou o olhar e coçou a cabeça. Eu estreitei os olhos, encarando-o.

— Mais ou menos.

Maldito, escondendo seus poderes da humanidade...

— Ao menos use-os para o bem.

— Hã? Do que está falando?

— Deixe pra lá. Eu só pensei alto.

—Ah...

Eu olhei para o ruivo desleixado com as mãos nos bolsos de novo.

Popular com as garotas...

Desgraçado.


. . .


Não demorou muito para nos separarmos e logo cheguei em casa. Eu passei o dia com Shizuka, como sempre, contando do que tinha acontecido. De como eu falei para todos na sala e como iríamos fazer testes para vocalistas amanhã. Parece impossível organizar isso de um dia pro outro, mas se for Hanabi e o 'cara popular com as garotas' que vão tentar conseguir membros, certamente vamos ter algum material para amanhã. Só resta saber como faremos o teste...

Eu afastei esse pensamento pelo resto do dia e me concentrei no que estava ao meu redor. Afinal, qualquer coisa que aquela ruiva pensasse se tornaria um dogma que não daria chance para ninguém dizer nada.


. . .


— Então! Vocês estão aqui com um único objetivo! Tornarem-se membros da inestimada banda Rakuen! Apenas um de vocês conseguirá essa proeza! Eu espero ver vocês dando tudo o que tem nesse teste! Estamos entendidos!?

— Sim!

Um coro unânime respondeu a garota que falava de forma imponente, andando de um lado a outro da sala de música.

Falando dessa forma, ela parecia uma general do exército.

Não, não só isso...

— Por que diabos você está vestida com uma roupa de exército?

— Faz parte do meu figurino. Agora cale-se e trabalhe com essa luz.

— Sim, sim...

Haviam meia dúzia de candidatos sentados nas cadeiras que preparamos. Para ser mais exato, candidato e candidatas, visto que eram cinco garotas e um garoto. Eu suspirei e esperei o garoto ir até a frente da sala, indicado por Yuragi. Então ela apagou a luz e eu acendi o pequeno holofote, que iluminou o garoto. Kai colocou um microfone na frente dele.

— Hmm, er...

O garoto se mexeu um pouco e ficou incerto. Akakyo sorriu atrás de mim e fez um sinal de legal.
— Não se preocupe, não precisa ficar nervoso. Apenas dê o seu melhor.

O garoto franzino e de óculos concordou com a cabeça e respirou fundo. Ele abriu os olhos determinado e então...

Uma voz gritante e exagerada saiu da boca dele.

Era de tal forma que nem mesmo conseguíamos entender o que ele estava cantando. Todos tampamos os ouvidos, enquanto Hanabi mexia aleatoriamente nos controles do som para diminuir o volume daquilo. Como era de se esperar, tudo o que ela conseguiu foi deixar o som mais alto.

— Hanabiiii! Desliga isso!

Tarde demais. A garota já estava girando no lugar, com os olhos em espiral.

Aquele foi um nocaute perfeito.

O garoto terminou de cantar com uma respiração funda, olhando para nós. Estávamos destruídos. Ainda assim, Akakyo se levantou com dificuldade e sorriu para ele.

— M-Muito obrigado! Você é ótimo, mas... Vamos ver os outros também.

Quando eu olhei para a plateia, as garotas estavam todas com protetores de ouvido.

Mas o que... Elas já sabiam que isso ia acontecer!?

— Então... Cof cof... Você, venha aqui.

Yuragi também se recompôs e chamou uma garota loira do primeiro ano. Ela foi até a frente. Certamente não poderia ser pior que o primeiro.

As garotas na plateia moveram suas mãos até os ouvidos. Elas estão colocando os protetores de novo...

Isso quer dizer que...

— Cuidado!!

Eu saltei sobre Hanabi, a pessoa mais próxima de mim, e cobri a cabeça dela com meu corpo.

Um som de gritaria feminina se sucedeu, afetando nossos tímpanos ainda mais agudamente do que o último cantor.

Droga... Eu certamente vou morrer...

Mas pelo menos eu vou salvar uma vida...

Uh oh... Ela está morrendo asfixiada...

Apenas aguente um pouco mais... Seja forte, Hanabi!

Felizmente, a 'canção' dessa vez foi mais curta que a anterior. A garota sorriu satisfeita no final, como se tivesse conseguido um resultado melhor que o esperado. Eu me apressei para sair de cima de Hanabi, revelando um rosto roxo quase sem ar.

— Ah, droga! Ei, acorde!

Eu balancei o corpo dela, fazendo com que os pulmões da garotinha trabalhassem de novo. Eu arfei. Não vou ser preso, dessa vez.

Yuragi mandou, relutante, que outra garota, do segundo ano, subisse até o 'palco'. Ela serviu como um 'descanso' para nossos ouvidos. A cantoria não foi ruim, mas também não foi nada boa. E para completar, ela ficou esquecendo partes da letra o tempo todo, fazendo questão de voltar do início toda vez que lembrava de algum trecho. Como resultado, levou pelo menos meia hora apenas nessa candidata.

Eu olhei para as outras três restantes. Não sei se vamos conseguir resistir a isso.

Duas garotas foram de vez até a frente. Agora que parei para olhar, na verdade são duas gêmeas do primeiro ano. Elas começaram a fazer uma performance juntas, mas, em certo momento, bateram a cabeça e tombaram no chão, antes mesmo de ouvirmos o que elas tinham para cantar. Agradecemos pelo descanso merecido à nossos ouvidos, e encaramos a ultima participante. Uma garota de cabelos castanhos, presos por uma presilha.

É agora ou nunca...

— Então... Pode começar.

A forma que a garota cantou me fez me inclinar para frente e abrir a boca. Que voz... Linda! Completamente afinada, também. Nós todos aprovamos com o olhar, enquanto a garota cantava. Ela estava meio estática, segurando o microfone com as duas mãos, mas isso era algo que podíamos corrigir.

Acho que encontramos nossa cantora!

Impacto.

Um pequeno objeto preto caiu das mãos da garota no chão. Nossos olhares convergiram todos para aquilo. A garota deixou escapar um pequeno grito e tampou a boca.

Aquilo é... Um gravador?

Então, esse tempo todo...

Nós olhamos para a garota, completamente vermelha. Com olhares tediosos, apontamos a saída.


. . .


— Aaah! Isso vai ser impossível! Existe um motivo pra não ter um clube de música nessa escola... Ninguém tem talento!

— Odeio concordar com você, mas acho que tem razão. O que vamos fazer?

Yuragi tirou o chapéu camuflado e colocou uma expressão triste no rosto. Eu também não estava nada satisfeito com os resultados, mesmo arriscando o bom funcionamento dos meus canais auditivos para tentar achar um vocalista. Yuujimura se levantou, se mostrando excitada.

— Eu posso ser a vocalista!

— Esqueça, pirralha. Já tentamos isso, não foi?

Ela bufou as bochechas, se mostrando irritada. Akakyo coçou o queixo e olhou para nós.

— Esperem aí... Isso pode dar certo.

— Como? Colocando um gravador como a última garota?

— Não, não... Mas, quero dizer, olhe só pra ela.

Eu olhei para Yuujimura. O que eu consegui ver foi uma garota baixinha e pouco desenvolvida do primeiro ano com um sorriso idiota na cara. Nada especial.

 O que ela tem?

— Você não percebe, cara!? Com alguém como ela como cantora, mesmo não cantando muito bem, o público alvo que atingiríamos, é... Todos os fanáticos por loli¹ da nossa cidade!

Você não pode estar falando sério.

— Além disso, ela é bem enérgica, tenho certeza que vai conseguir mover a plateia!

— Não... Eu não quero ter esse tipo de público.

— Ei... O que seria esses 'fanáticos por loli' que vocês estão falando?

Yuujimura fez uma pergunta inocente enquanto olhava nos nossos olhos. Nós nos entreolhamos e devolvemos um olhar entediado para ela.

— Não é nada. Apague isso da sua mente.


. . .


Eu girei a chave depressa. Estava começando a esfriar, então eu queria entrar em casa o mais rápido possível.

Eu fechei a porta e esfreguei meus braços para me aquecer.

Droga, esse frio maldito de novo.

— Ah, Makoto, você chegou.

Eu reconheci a gentil voz feminina vinda da minha sala de estar e coloquei um sorriso satisfeito no rosto. Depois de tirar os sapatos, eu fui cumprimenta-la.

— Nana. Rápida como sempre, não é?

Ela estava de óculos de leitura. Ela precisa desses para ler, não é... Mas espere aí, o que...?

Haviam diversos livros e cadernos com anotações sobre a pequena mesa no centro da sala. Ela sorriu para mim e bateu duas vezes numa almofada ao seu lado. Ainda sem entender, eu cometi o erro de perguntar.

— O que é tudo isso?

— Não é óbvio? Você vai estudar comigo.

— ... Eh?

— Eu não posso deixar suas notas do jeito que estão. Então, a partir de hoje, eu vou te ajudar.

— Eu não preciso de ajuda! Eu tenho tudo que preciso bem aqui!

Eu tirei meu caderno da pasta e mostrei orgulhosamente o que havia anotado na aula de hoje. Ela viu todos aqueles rabiscos mal organizados e me repreendeu com o olhar.

— Que bom! Agora sente.

Eu engoli a seco, mas me movi para sentar do lado da loira. Ela começou a me explicar primeiro sobre biologia e matemática. Shizuka assistia tudo do sofá. Visto que ela só teve aulas quando era criança, era de se esperar que ela não entendia nada do que estávamos falando. Ainda assim ela olhava para nós com os olhos brilhando como se estivesse aprendendo sobre todo um novo universo.


. . .


— Que fome...

— Já vai ficar pronto. Agora termine o exercício.

 Não consigo! Minha mão não consegue mais se mover! Além disso meu cérebro vai...

Eu senti uma tontura e levei a mão até a testa. Droga, eu tenho estudado, mas todas essas informações na minha mente... Meu rosto foi de encontro ao livro aberto, visto que entrei em curto circuito.

— Sabe, Makoto...

Eu respondi com uma voz chorosa e abafada pelo livro.

— Você tem estado bem animado ultimamente.

— Você acha?

— Sim. Eu gosto muito de você desse jeito.

Meu rosto corou e eu instantaneamente me ergui. Droga, por que fiquei tão nervoso desse jeito!?

— É-É mesmo? Que bom...

Meu rosto está com um sorriso bobo que não importa quanto eu tente, não consigo tirar. Eu não pensei que ficaria tão feliz apenas por um elogio assim, se é que posso chamar isso de elogio. De qualquer forma, isso me motivou.

— Amanhã vou tentar encontrar um vocalista mais uma vez para a Rakuen.

O rosto dela apareceu da cozinha, com um sorriso.

— Sim, continue se esforçando!

Seus cabelos loiros trançados, como sempre ficavam quando estava cozinhando, se contrastaram com seu avental e seus belos olhos azuis e me fizeram sentir como se eu estivesse numa vida de homem casado. Eu corei novamente com o pensamento.

Ah, vamos. Eu e Nana, casados? Seria muito igual a um conto de fadas para acreditar.

Além disso, nós somos amigos. Eu não quero me relacionar com uma amiga.

Com o sorriso ainda bobo no rosto, eu recitei o meu novo mantra mentalmente.

'Beleza, eu vou me esforçar!'


. . .


Comemos o jantar delicioso feito por Nana, e conversamos até a hora limite que temos para sair. Eu deixei Shizuka em sua cama e saí para levar minha amiga para casa. Pegamos o trem, conversando sobre assuntos banais sobre coisas que vimos na TV, como comerciais bobos ou clipes de músicas novos.

Nana pode ser bem serena e calma, mas na verdade fala bastante quando dão corda a ela. Eu ouvi mais do que falei, mas aproveitei a conversa tanto quanto ela. Acho que gosto de ouvir.

Nos despedimos com o 'tchauzinho' habitual na porta da casa dela. A mãe de Nana me viu pela janela e acenou também. Airi, ao lado dela, puxou a base do olho para baixo e me deu língua. Como eu não podia responder com o mesmo gesto, eu apenas dei um sorriso forçado e acenei.

A volta para casa foi silenciosa como sempre. A única parte pior era o frio. Eu me encolhi dentro das minhas próprias roupas e andei o mais depressa que pude para alcançar o trem. A estação estava pouco menos movimentada do que das últimas vezes. O barulho dos trilhos ao longe mostrava que o trem que seguiria para o lado oposto do que eu peguei já estava chegando. Eu estava preocupado demais em concentrar meu calor interior que acabei não prestando atenção nos arredores.

Então, quando eu menos esperava...

Eu senti um peso sobre as minhas costas. Alguém havia acidentalmente se esbarrado em mim. Como resultado, meu corpo se pendeu para frente.

No horizonte eu avistei uma luz, e o barulho estrondoso que a acompanhava.

Os trilhos se aproximam cada vez mais, rangendo impiedosamente. Ah, eu estou caindo...

Eu pensei que tudo havia acabado, naquele mesmo instante. Mesmo que eu fosse trabalhar duro com o pessoal para encontrar uma vocalista... Mesmo que a Shizuka esteja me esperando em casa, sozinha... Mesmo assim...

Eu fechei os olhos, sem querer encarar o destino que me esperava.

Foi então que o mundo parou de se mover, e o gigante de metal atravessou os trilhos bem na minha frente.

— Estou... Vivo?

Entendi... Alguém me segurou.

Eu olhei para trás, ainda estupefato pela sensação tão próxima da morte que eu acabei de vivenciar. Uma mão firme, mas delicada, ainda segurava a minha.

Longos cabelos negros. Olhos vermelhos penetrantes. Uma pele branca e uma expressão analisadora.

Kurou Yami.

A garota, toda vestida de preto e com uma capa de violão nas costas me olhava fixamente nos olhos. Havia alguma coisa sobre o olhar dela que me prendia, que não conseguia me fazer desviar.

Nós continuamos nos olhando ali, chamando atenção excessiva de todos ao nosso redor.

Minha boca se abriu inutilmente na tentativa de dizer alguma coisa.

Talvez agradecê-la? Nem eu sei.

Tudo o que eu sei é que, depois de um instante que mais pareceu uma eternidade, a garota falou.

— Eu quero cantar.

Eu fiquei sem resposta diante de toda aquela aura misteriosa e mística que a garota passava.

Eu senti minha própria alma se aquecer através daquela mão macia que eu ainda segurava.

. . .



Chiharu - 13

Aquela mão.

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