E aqui termina o nosso arco!
Nota mental: Pessoas são incríveis!
Ao seu lado.
Nota mental: Pessoas são incríveis!
Chiharu
Capítulo 9
Você
não pode fazer nada.
Minhas
palavras e as palavras de várias vozes diferentes ecoavam ao meu redor. Vozes
conhecidas e vozes desconhecidas, de uma forma que eu não sabia identificar.
Preso pelo meu próprio mundo, ali, observando o corpo inerte na minha frente.
É,
é como sempre foi. Eu nunca pude fazer nada. Pelos meus pais, pela Shizuka, por
mim mesmo, por Hanabi... E é a mesma coisa agora. Eu sou apenas eu! Uma pessoa
fraca que precisa se apoiar nos outros para sobreviver! O que alguém assim pode
fazer?
O
mundo é cruel. Se você não for forte para suporta-lo, ele te engole. Se você
desistir, ele te devora. É por isso que eu tentei suportar tudo sozinho, sempre
com o pensamento infantil que eu poderia fazer alguma coisa. Que eu poderia
cuidar da minha irmã sozinho, e que com apenas isso eu poderia fazer ela feliz.
Mas será que ela é realmente feliz? Será que eu realmente consigo fazê-la
feliz?
As
pessoas começaram a notar o corpo quando eu parei, e algumas se aproximaram
para ver. Sussurravam palavras como "que nojo", ou "que
pena", mas assim como eu, não faziam nada. Não poderiam fazer nada. Apenas
assistir aqueles filhotes que agora perderam sua mãe, sua proteção. Eu conheço
essa dor.
Um
dos cachorrinhos pareceu olhar para mim.
Você
é como eu, não é? Sabe como é ficar sozinho.
Me
surpreendi com minhas palavras dentro de mim mesmo, são as mesmas palavras que
a garota usou. É como se eu estivesse me vendo num espelho quando olhei para
ela...
Mas...
Ainda
assim eu quero fazer alguma coisa.
Aquela
garota está sozinha. Mas estar sozinha, tentar suportar tudo não faz dela
forte. Não! Eu já havia percebido isso, mas não me deixei convencer... Ser
forte não é conseguir levar tudo nas suas costas... Ser forte é conseguir ficar
de pé sozinho, mas poder se apoiar nos outros ao seu redor quando precisar...
Ser forte vem da união de várias pessoas que se apoiam.
É
por isso que é impossível ser forte sozinho. E é aí que erramos. É por isso que
sofremos tanto. Eu tenho meus amigos, eu percebi isso... Eu tenho que fazê-la
perceber também.
Eu...
Eu...
Minha
própria voz, de quando eu era menor, se destacou entre as demais.
Papai...
Mamãe...
Eu
não quero ficar sozinho.
Eu
posso fazer alguma coisa!
. . .
— Ei, você,
me ajude!
— Eh?
Um
rapaz que parecia ser um pouco mais velho que eu olhou pra mim mais surpreso do
que qualquer outra coisa. Eu mergulhei no beco ali na frente e procurei por um
objeto.
Isso
deve servir!
Eu
voltei e me ajoelhei ao lado da cadela, colocando um pedaço do que era uma
porta ao seu lado.
— Segure
ela por aqui com cuidado. Vamos levantar ela do chão o mais baixo possível e
coloca-la aqui em cima.
Eu
indiquei um local para onde ele deveria se dirigir e endireitei o pescoço do
animal para alinha-lo com sua coluna vertebral. Eu não sei se estou fazendo
certo, mas pelo que conheço de primeiros socorros com humanos, algo mais ou
menos assim deveria ser feito.
O
que não poderia era ficar parado.
— Um,
dois... Agora!
Nós
levantamos o corpo ao mesmo tempo, fazendo os cachorrinhos latirem em protesto,
sem saberem que estávamos tentando salvar sua mãe. Conseguimos colocar o corpo
na porta sem maiores problemas, agora o que restava era saber onde poderíamos
encontrar um médico, qualquer coisa...
Eu
tentei desesperadamente buscar na minha mente quais quer informações que me
recorressem. Desde que voltei não tenho notícias de nenhum veterinário, mas
talvez, quando eu era menor...
Eu
fechei os olhos por alguns segundos. A imagem de um local onde Shizuka insistiu
para levarmos um passarinho com uma asa machucada me veio a mente. Lá, eu, Nana
e a minha irmã conseguimos fazer o passarinho se recuperar e voar para o
horizonte. Se aquele lugar ainda está de pé, certamente é lá que conseguiremos.
— Beleza!
Vamos levantar isso. Tem um lugar em que podemos leva-la.
— S-sim.
O
rapaz ainda parecia incerto, mas o modo decidido como eu falei deve ter
impulsionado ele para o momento. Nós repetimos a contagem mais uma vez para
levantar o suporte de madeira. Eu olhei para os filhotinhos que latiam, mas
algumas garotas do ginásio já haviam segurado eles no colo. Talvez elas
pretendessem nos seguir.
Começamos
a andar, e a distância da minha mente se provou três vezes mais longa do que eu
imaginava. No entanto, depois de muito esforço, conseguimos chegar ao local.
Para minha felicidade, ainda estava ali, intacto, do jeito que era quando eu
deixei esta cidade. Ofegantes e totalmente fadigados, demos os últimos passos
para dentro do estabelecimento. Lá dentro, todos os que estavam ali já tinham
se envolvido demais para não esperar para saber o resultado da cirurgia que a
cadela teve que ser submetida. Esperamos por longas horas... Fiquei preocupado
com Shizuka, mas pelo bem da minha sanidade, eu não podia sair dali.
A
médica saiu da sala e nos olhou. Todos levantamos a cabeça ao mesmo tempo. Até
mesmo os cachorrinhos, que estavam agora dormindo aconchegados nas estudantes,
despertaram para ouvir o que a mulher tinha a dizer.
— Aquela
mãe é bem forte. Ela vai sobreviver.
Meu
corpo foi preenchido com uma quantidade enorme de alegria, e um sorriso tomou
conta do meu rosto. Nosso trabalho duro foi recompensado, e agora essas
crianças não precisam mais ficar sem uma mãe...
Por
que alguém se moveu...
Naquele
momento eu notei...
Pessoas
são incríveis!
Com
a boa notícia, todos pudemos nos acalmar. Todos agradecemos a moça com uma
reverência. Logo, as garotas deixaram os filhotes aos cuidados dos
funcionários, e então se despediram. O próximo a ir embora foi o rapaz que me
ajudou a carregar a mãe até o estabelecimento.
— Bom
trabalho.
Sim, você também. Bom trabalho.
Nós
apertamos as mãos. Um aperto de mão depois de compartilhar um pesado fardo
certamente tem um grande significado. Ele foi embora, e eu me vi sozinho
naquele local. Fui eu quem tomou a iniciativa, então acho que tenho que
finalizar isso também.
— Me perdoe
por todo o trabalho. Bom... Certamente isso teve um custo pra você.
Eu
falei meio sem jeito. Não tenho muita experiência no mundo dos adultos, então
não sei muito bem como funciona esse tipo de coisa. A mulher de cabelos
esverdeados até os ombros sorriu compreensiva. Que sorriso lindo.
— Você não
tem com o que se preocupar. Apenas o sorriso de vocês é o bastante.
Eu
abri a boca, mas não consegui dizer nada. Que pessoa surpreendente. Se mais
pessoas fossem de tamanha gentileza hoje em dia, certamente o mundo não seria
um lugar tão cruel.
— Qual é o
seu nome?
— É
Makoto... Alkaev Makoto.
— Entendi,
Makoto-kun, não é? Imagino que você tenha encontrado essa cadela na rua. Você
pretende ficar com ela?
Eu não pensei nisso. Mas mesmo pensando melhor, eu já
cuido da Shizuka, e o dinheiro é curto...
—
Infelizmente eu não posso...
—
Entendo...
Ela olhou para os filhotinhos, encolhidos uns sobre os
outros.
— Bom, eu
darei um jeito nisso. O que você fez foi muito digno, rapaz. Parabéns.
— Não, eu
não fiz nada!
Eu desviei o olhar e cocei a cabeça. Eu realmente não
acho que eu tenha feito algo demais. Afinal, você quem salvou a vida dela. Ela
pareceu entender meus sentimentos e sorriu, talvez lisonjeada, talvez sem
graça. Novamente, que sorriso lindo.
— Bom...
Muito obrigado por tudo.
Eu fiz uma reverência e sorri. Achei que aquele gesto
poderia ser uma boa despedida, então me retirei do local. Mas um pouco antes da
porta fechar eu a agarrei e coloquei minha cabeça através do espaço ainda
aberto.
— Ah, eu
esqueci de perguntar. Qual é o seu nome?
A moça me olhou um tempo e depois riu da forma que eu
fiz as coisas, colocando a mão na frente da boca.
— Sasegawa
Hanako. Prazer.
— Sim,
prazer.
Com um sorriso, eu desapareci da visão dela e fechei a
porta. Eu ainda olhei para o local por mais algum tempo, nostálgico. Parece que
terei sempre boas memórias com esse lugar.
. . .
Depois daquilo eu voltei para casa, afinal tinha
responsabilidade pela pessoa que estava me esperando lá. No entanto, minha
atitude agora está muito mais positiva. O dia com Shizuka foi divertido como
sempre, embora não tenhamos feito nada demais. No meio da tarde o pessoal
apareceu para praticar. Acabou que novamente tivemos que aturar a voz
destruidora de Yuragi. Tenho certeza que até os vizinhos ouviram dessa vez.
No entanto, eu voltei a ficar pensativo depois de um
certo tempo.
— Ei, Kai.
— Hm? O que
foi?
— O que
você acha da Ha... Digo, da Yuujimura?
— Ela é um
pé no saco!
A resposta me decepcionou. Eu olhei para baixo, e
minha decepção só aumentou a medida que Yuragi começou a falar.
—
É, ela é bem chatinha. Eu nem queria ela na banda no início.
— Então...
Vocês não gostam dela?
Será mesmo que Yuujimura estava certa? Só chamamos ela
para a Rakuen por que não havia outra forma? Não... Eu gosto da Yuujimura. Mas
será que só eu gostar é o bastante? Eu não acho que ela vá querer ficar num
lugar onde os outros não gostam dela... Ela não vai querer voltar para nós se
for desse jeito.
— Mas
apesar disso, ela é uma garota interessante.
—
!?
Para minha surpresa, Akakyo falou aquilo com um
sorriso extremamente amigável no rosto. Yuragi concordou.
— É, eu
tenho que admitir que o teste que fizemos foi bem engraçado.
— Ela está
por aí o tempo todo com aquele fantoche me chamando de Onii-chan... Mas é
sempre divertido estar com ela, eu acho.
Kaioshi falou e meus olhos brilharam. Então...
— Então,
isso quer dizer...
Os três sorriram, como se dissessem que aquilo era
óbvio. Foi Kaioshi, que continuou a falar, que confirmou.
— Bom, ela
está falando coisas idiotas o tempo todo perto de nós, não é? Isso não é uma
coisa que amigos fazem?
Eu assenti. É verdade. No fim das contas, eu estava
certo.
Você não está sozinha, Hanabi.
Eu vou te mostrar isso!
. . .
Na manhã do dia seguinte, eu acordei decidido que iria
visitar Yuujimura mais uma vez. Vou arrastar ela pra fora de casa se
necessário. Eu abri a porta e olhei para trás, mesmo que não houvesse ninguém
na sala para se despedir de mim.
—
Beleza!
Com um sorriso confiante, eu parti na direção da
escola.
. . .
A aula pareceu se arrastar. Eu saí algumas vezes para
ir até em casa, como sempre, e então chegou o horário do almoço. Para a minha
surpresa, eu me deparei com uma garota alegre e cheia de energia no corredor,
que parecia estar conversando de forma exageradamente animada com duas garotas
que não gostavam muito da experiência.
— Então,
então! A nossa banda é muuuuito legal! Vocês deviam vir nos ver tocar algum
dia!
— S-sim,
vamos pensar nisso.
A garota da esquerda deu uma resposta que não era nem
positiva nem negativa, e então escapou. Mas ao invés de fazer beicinho ou ficar
deprimida, a garota de cabelos negros apenas continuou sorrindo e ia falar com
outras pessoas quando me avistou. Ela sorriu e acenou com a mão acima da
cabeça. Eu me aproximei, ainda incrédulo.
—
Maaakoto-san!
— Hanabi...
O que aconteceu?
— Hm? Do
que você está falando?
— Você
parece... Muito melhor.
— Sim, eu
estou melhor! Não se preocupe, já passou.
Ela sorriu pra mim. Mas aquele sorriso me cortou o
coração. É como eu já havia percebido, Hanabi... Olhar para você agora é como
olhar para um espelho do meu passado.
E aquele era um sorriso falso.
— Hanabi...
— Yo!
Kaioshi me deu um tapa no ombro direito e sorriu em
cumprimento.
— Oh,
pirralha, você parece estar curada!
—
Onii-chan, você por aqui!
— Eu não
sou seu Onii-chan!
Aqueles dois começaram a briga usual enquanto
Yuujimura apertava as bochechas dele, que balbuciava maldições de dor. Mas,
mesmo que para um observador aquela cena seria corriqueira, havia algo errado.
Descemos para procurar os dois irmãos depois.
Yuujimura parou várias vezes no caminho para cumprimentar colegas de classe que
pareciam não gostar tanto da abordagem, sempre falando da banda que montamos.
Quando finalmente chegamos no exterior da escola, encontramos os irmãos comendo
sanduíches. Kai chamou a atenção deles com um aceno.
— Yo,
comendo aqui fora hoje?
— Sim, a
nee-sama fez sanduíches deliciosos hoje!
— Cale a
boca, são só sobras.
Akakyo estava com um brilho no olhar. Parecia que
apesar das aparências, Yuragi realmente cozinhava bem. Distraindo--se um pouco
do seu pão, o garoto notou a presença de Yuujimura e então se inclinou na
direção dela.
— Oh, então
você já está melhor, Yuujimura?
— Sim,
estou perfeita! Quer ver?
Ela roubou o sanduíche que Yuragi estava prestes a
morder, correndo e abocanhando o alimento. Yuragi ficou dois segundos parada
boquiaberta, sem acreditar, mas logo depois levantou e partiu enfurecida na
direção da garota, que começou a rir e correr dela. Kaioshi, que estava rindo,
recebeu um pisão no pé e ficou com sede de vingança, indo atrás das garotas
também.
Eu apertei o punho.
Você realmente está tão feliz, Hanabi? Mas, por que
ainda assim você parece estar com vontade de chorar?
— Ei,
Kyo...
— Hm? O que
foi?
— Você acha
que a Yuujimura está estranha?
— Ué, não,
ela não é sempre assim? Talvez ela já esteja melhor.
— Bom, é,
mas...
Eu realmente não tenho um modo de convencê-los. Apenas
dizer que sinto que tem algo errado não é argumento. Para todos os efeitos,
Hanabi está agindo da mesma forma que sempre agiu. Me restou ficar observando,
até que o período de almoço acabasse. Eu voltei para a sala, mas não consegui
prestar atenção em mais nenhum momento das aulas.
. . .
Depois disso eu fui correndo para a parte inferior do
colégio, ficando no ponto de encontro onde nos reunimos para ir para casa. Eu
fui o primeiro a chegar, seguido de Yuragi e dos dois amigos, para só então
poder receber Hanabi, a última a chegar.
— Desculpem
a espera!
— Não,
não demorou muito. Vamos.
Akakyo deu um de seus sorrisos calmos corriqueiros e
começou a caminhar na direção da saída, sendo seguido pelos demais. No caminho,
Hanabi falou animada de todas as coisas idiotas que tinha feito hoje. Por mais
que parecesse que ela estava como sempre, ainda assim eu sabia que não era o
caso. Ela estava sofrendo, mas estava tentando esconder. Eu apenas escutei o
que ela tinha a contar, sem dizer nada. Talvez seja um erro meu, talvez eu deva
dizer alguma coisa...
Mas o quê?
Sem conseguir decidir, as palavras não saíram da minha
boca até o momento em que o grupo se desfez. Eu e Hanabi continuamos sozinhos o
caminho. Eu acho que finalmente consigo falar.
— Ei,
Hanabi.
Ela não respondeu. Sua personalidade outrora falante
agora estava quieta. A garota caminhava com as mãos para trás, olhos fixos em
sua frente. Ela deve saber que eu sei o que está acontecendo.
— Por que
você veio a escola hoje? Você realmente está melhor? Ou você está fingindo?
Novamente ela não me respondeu.
—
Ei... Me diga, Hanabi!
Nós paramos na esquina de uma rua cujo sinal estava
para abrir. Ela olhou pra mim e sorriu de uma forma cansada.
— Eu queria
me divertir com todos uma última vez.
Uma última vez? Mas o que ela quer dizer com isso?
Antes que eu pudesse perguntar, ela partiu correndo
através da rua, cujo sinal abriu meio segundo depois, fazendo com que um ônibus
passasse na minha frente e me impedisse a passagem.
— Hana...
Uma última vez... Uma última vez...
Não me diga, que ela está pensando em...
Droga!
Minhas pernas queriam se mover para ir atrás dela, mas
os carros e minha razão me pararam.
O que eu vou poder fazer sozinho? Será mesmo que eu
tenho o poder de convencê-la do contrário?
Não... Eu preciso da ajuda deles. Não posso fazer isso
sozinho!
Com isso em mente, eu corri com todas as minhas forças
na direção da casa dos Nekogami, com a esperança que acharia o grupo de jovens
no meio do caminho. Felizmente, assim aconteceu. Ofegante, e quase sem conseguir
respirar, eu parei na frente dos três, o que despertou a curiosidade deles.
— Vocês....
Venham... Comigo!
Semi-recuperado, eu não disse mais nada e voltei a
correr. Mesmo sem saber do que se tratava, meus amigos confiaram em mim e me
seguiram num passo muito parecido com o meu. Nos aproximamos rapidamente da
casa de Hanabi. Em poucos minutos, estávamos lá na frente, totalmente exaustos.
Eu avancei na porta, esmurrando-a e tentando abri-la pela maçaneta.
—
Hanabi! Abra a porta, Hanabi!
—
Ei, Makoto, o que você está fazendo? Explique!
Yuragi não sabia se o que eu estava fazendo tinha um
motivo ou se era apenas um acesso de loucura. No entanto, se eu ficar parado e
tentar explicar, tudo pode ser posto a perder. Eu agarrei um pedaço de madeira,
talvez de uma vassoura quebrada, que encontrei ali do lado e me preparei para
golpear a janela.
— O que é
isso, cara?
Kaioshi tentou me segurar, mas eu o golpeei no meio do
peito com o ombro, fazendo-o se afastar.
—
Se ficarmos aqui parados, Hanabi vai...
Minhas palavras me amargaram a boca e eu não consegui
terminar de dizer. Apenas enrijeci os músculos e ataquei o vidro com a madeira
em minhas mãos, fazendo um som prolongado de estardalhaço. Busquei apoio e
saltei a janela.
Dor.
Sangue.
Acabei por me cortar num caco de vidro que resistiu ao
golpe, fazendo meu braço sangrar. Mas não posso deixar isso me parar! Eu
avancei para o quarto da garota. Os outros, que pareciam ter escolhido confiar
em mim, começavam a saltar a janela também, com mais cuidado. Minha mão
finalmente alcançou a maçaneta da porta. Meu coração parou por um segundo.
Por favor, não seja tarde demais!
Quando eu abri a porta, fui atingido pela visão
melancólica da garota, coberta pelo mesmo lençol encardido, e segurando um
objeto mortal em mãos. Um revólver. Ele estava apontado para seu rosto, embora
ela não estivesse segurando ele pronta para atirar. Apenas observava o interior
do cano, calmamente. Minhas suspeitas se provaram verdade. Tendo relembrado e
revivido sua experiência traumática, Hanabi acabou por sucumbir à tudo que
vinha atolado e se acumulado dentro dela. E aquilo tinha sido demais.
Eu tenho que me acalmar. Numa situação dessa, qualquer
passo em falso pode ser o último.
— Hanabi.
Ela levantou os olhos da arma e olhou para mim. Os
outros três me alcançaram e tiveram a mesma visão impactante que eu tive. Eu
permaneci na frente, pronto pra proteger qualquer um deles no pior dos casos.
— Você não
precisa fazer isso.
Ela riu, como se o que eu tivesse dito fosse uma
piada.
— Sim, eu não
preciso.
— Sim, é
isso mesmo! Então por que você não larga essa arma?
— Mas eu
quero.
As palavras me partiram o coração. Ouvir alguém dizer
que estava disposto a abdicar de sua própria vida daquela forma era uma
experiência nova e terrível para mim. Mas ela ainda continuava com aqueles
olhos.
Os olhos de uma mentirosa.
—
Não é verdade, não é?
— ...
— Você me
disse... Que queria se divertir com todos uma última vez, não foi? Você
conseguia ser feliz vivendo daquele jeito, não é? Você não precisa... Não, você
não pode jogar tudo isso fora!
— Não,
Makoto-san... Você não pode me dizer o que fazer. Ninguém pode me dizer o que
fazer... Afinal... Afinal... As únicas pessoas que podiam fazer isso já
morreram!
Ela esticou os braços para frente e apontou a arma
para a própria testa. Eu dei um passo a frente de forma involuntária.
Se acalme, se acalme. Você consegue.
— Sim, eu
sei... Eu consigo te entender, já que somos tão parecidos, então acho que você
vai conseguir me entender também... Nós estamos bem aqui, Hanabi! Seus colegas,
seus companheiros, seus amigos! Nós estamos aqui por você...
— Mentira,
mentira, mentirosos! Vocês só precisavam de mim por causa da banda de vocês!
— Não é
verdade! É divertido estar com você!
Ela agora estava com as mãos cobrindo os ouvidos, com
a cabeça quase enfiada entre as pernas.
— Não, eu
fui a última opção! Isso tudo é mentira, Makoto-san!
—
Não é, Hanabi... Entenda...
— Não se
aproxime!
Eu tentei dar um passo para frente para me aproximar
dela, mas acabei ameaçado pela segunda vez na minha vida, com o cano de uma
arma apontado para o meu coração.
Eu fiquei calado um tempo, apavorado. Hanabi, você
realmente seria capaz de tirar minha vida? Não... Ela ainda é aquela garota
estúpida e excêntrica que eu conheci. Ela ainda é a Hanabi! Ela nunca faria uma
coisa dessas. Ela só está assustada. Eu sorri e alisei a sua cabeça, fazendo o
rosto em lágrimas dela me encarar.
— Está tudo
bem, Hanabi. Estamos aqui.
— Não se
aproxime! O que você sabe? Seus pais se amaram até o final, não foi!? Você não
pode me entender! Não é a mesma coisa!
Eu comecei a ter flashes da minha vida, como se ela
passasse diante dos meus olhos. Eu já ouvi falar disso quando se está perto da
morte, mas... Eram todas memórias de quando estive com Hanabi. Daquele maldito
teatro de sombras, mas também de como ela importunava as pessoas nos corredores
e vivia correndo atrás da gente...
Sim, nós somos amigos.
Eu continuei me aproximando, e a voz dela só ficou
mais alta.
— Não se
aproxime de mim! Eu estou sozinha!
Ela enfiou o cano da arma na minha barriga, me fazendo
quase regurgitar tudo que tinha lá dentro. Já não sinto meu corpo. Apenas a
tensão e o medo tomam conta dele. Eu fiquei completamente ensopado, o meu braço
latejando e espalhando dor mais do que nunca. Eu nunca senti tanta angústia em
toda a minha vida. Medo, tesão, angústia. Mas ainda assim, eu não vou recuar.
Coragem. Recordação. Sorriso.
— Eu me
diverti muito dançando com os fantoches.
Ela abriu os olhos de repente, perdendo o ar. Era como
se ela nem sequer lembrasse daquilo, como se sua mente estivesse obscurecendo
todos os fatos divertidos e bons que ocorreram com ela.
— Apesar de
termos sentido a dor de perder nossos pais, tivemos dores diferentes. As suas
talvez sejam dores de memórias tristes, mas as minhas são dores de memórias
felizes, como você disse... Mas independente disso, se tem uma coisa que eu
aprendi com a vida é que sozinhos somos fracos. Você segurou isso todos esses
anos, Hanabi... Você lutou muito... Mas você não pode cometer o mesmo erro que
seu pai cometeu. Ele não viu o amor nas pessoas.
— Makoto...
San...
Nesse ponto eu já estava abraçando o rosto da garota,
que afrouxou a pegada na arma com minhas palavras, e também olhando fixamente
para o ferimento que eu tinha ganhado no braço. Talvez ela simplesmente
estivesse esperando a vida toda para alguém dizer as palavras que eu estava
prestes a dizer.
—
Mas nós somos seus amigos, Hanabi.
Sim.
— Menos ou
mais, de cada jeito particular em cada um de nós, nós te amamos.
É, é verdade.
— Se
dê uma chance. Você agora tem a nós. Você não está sozinha.
O som surdo do objeto pesado caindo da mão dela e
atingindo o chão foi como um soar de um sino leve para meus ouvidos. Como uma
criança, a criança em meu abraço chorou. Eu não pude evitar que uma ou duas
lágrimas me escapassem os olhos.
Mas mais do que isso, eu não pude evitar sorrir.
. . .
— Então, a
Yuragi disse: Eu vou pegar vocês!
— Ei
Akakyo, por que todas as histórias embaraçosas tem que ser sobre mim!?
Todos rimos. O rosto de Hanabi ainda estava um pouco
inchado e vermelho por causa do tempo que ela passou chorando. Ela olhava para
todos com um novo olhar, um novo sorriso.
Talvez aquele sim fosse um sorriso verdadeiro.
— Obrigada,
pessoal... Obrigada por se importarem com alguém como eu.
Ai!
Yuragi, que estava fazendo um curativo no meu braço,
apertou com força demais quando se apressou para responder à garota.
— Não diga
coisas como essa!
O irmão dela concordou.
— Sim, você
é uma de nós. Claro que nos importamos com você.
Ela sorriu e seus olhos encheram de lágrimas
novamente.
—
Obrigada... De verdade...
Kaioshi me pegou pelo pescoço e me puxou pra perto
dele.
—
Bom, se temos alguém para agradecer, é o Makoto-chin!
— Makoto-chin?
O que eu sou, uma garotinha de quatro anos?
— Sim, uma
garotinha!
Kaioshi apertou minhas bochechas e começou a falar
coisas impossíveis de serem entendidas como se falasse com alguma criança. Que
nojo. Minha mão aberta atingiu a cara dele de frente e o manteve afastado,
balbuciando coisas para que eu o soltasse.
— Saia de
perto de mim.
O alvo, exageradamente deprimido com minha rejeição,
se levantou e se dirigiu a algum lugar, se esbarrando com a mesa no caminho, e
derrubando a arma que Hanabi segurava minutos atrás. Todos olhamos fixos,
relembrando a cena terrível que tínhamos presenciado. Akakyo resolveu fazer
algo e pegou a arma para coloca-la em um lugar menos acessível. No entanto,
quando ele fez isso, percebemos que o compartimento de balas tinha destravado
na queda, revelando o conteúdo.
— Ei...
Todos olhamos para ele com aquele olhar de 'o que
foi'?
— Está
vazio.
— Eh?
Todos repetimos juntos.
Você só pode estar...
— Estou dizendo
que não tem balas aqui.
— Eeeeeh!?
Zoando com a minha cara...
Todos nos aproximamos para olhar direito, mas Hanabi
tomou a arma das mãos dele e olhou para ela desacreditada.
— Essa não!
Eu tinha esquecido...
Ela... Esqueceu...
Eu não podia acreditar. Todo aquele terror, toda
aquela angústia, o medo de ter minha vida tomada, tudo... Se resumia à uma arma
que nem mesmo estava carregada.
Era irônico demais. Toda a tensão acumulada no meu
corpo até agora se desprendeu. E então eu ri. Eu ri como se não houvesse
amanhã. Todos olharam pra mim curiosos, mas eu apenas gargalhava e enxugava as
lágrimas que escapavam dos olhos de tanto que aquilo era irônico.
Eu nunca me senti tão leve.
— Droga,
Hanabi!
Kaioshi sorriu e afagou a cabeça dela.
— Bom, uma
idiota é sempre uma idiota!
— E-ei!
Quem você está chamando de idiota!
Ela largou o revólver no chão e escolheu uma almofada
para atingir Kaioshi, que começou a fugir e ser perseguido. Uma arma sendo
trocada por algo macio... Sim, esse é o poder da amizade.
Eu não posso imaginar o que você passou todo esse
tempo, Hanabi... Eu sei que você sofreu, sei que você lutou, sei que você
suportou tudo sozinha. Mas, agora você é uma pessoa forte. Você tem a nós, tem
aqueles quem quer proteger e com quem sabe que pode contar. Mesmo que eu tenha
dito todas aquelas palavras, tenho certeza que todos estavam igualmente
preocupados com você. Todos estavam ali, todos foram ao seu encontro sem nem
mesmo perguntar do que se tratava. Estamos ao seu lado.
Eu olhei para a garota que havia iniciado uma batalha
de travesseiros com todos no recinto. Eu não sentia nada além de orgulho e
satisfação. Um sorriso tomou conta do meu rosto.
Nota mental: Nunca deixe ninguém te dizer que você não
pode fazer nada.
Acredite em si mesmo!
. . .
Chiharu - 09
Ao seu lado.
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